Um pouco mais sobre depressão
A depressão é considerada um transtorno afetivo, devido ao fato da perturbação das emoções ser uma característica marcante. Seus sintomas incluem alterações no humor, com tristeza, solidão, apatia; autoconceito negativo, com recriminações e acusações; desejos autopunitivos de morrer, fugir, se esconder; alterações de sono (sono excessivo ou insônia), apetite (reduzido ou em excesso) e desejo sexual (geralmente bastante reduzido).
A depressão é uma doença de difícil entendimento pelas suas características, seus sintomas, e pela própria dificuldade que se encontra as vezes quando se tenta ajudar uma pessoa deprimida. Essa dificuldade de entendimento não é nova, datando na verdade de séculos ou milênios atrás.
Há muito tempo atrás, costumava se atribuir o que hoje chamamos de depressão à influência de espíritos, deuses e outras entidades sobrenaturais. É um entendimento que perdurou por séculos, e que deixa suas marcas até hoje.
Na Grécia antiga, onde se cultivava um entendimento do mundo mais humanista e menos mítico, o chamado pai da medicina, Hipócrates, propôs que a depressão seria resultado do desequilíbrio de fluidos no corpo, inclusive tendo o nome de melancolia, que significaria uma intoxicação do sistema nervoso pela “bile negra”. Aristóteles, famoso por suas teorias filosóficas, também participa desse entendimento com a chamada tese cardiocêntrica, aquela que todo mundo conhece intuitivamente, e que aparece quando se desenha uma mensagem de amor com um coração. Aristóteles acreditava que o nosso pensamento racional estava situado no cérebro, e que nossas emoções e formas de agir estavam guardadas no coração.
Uma definição conhecida da melancolia é a de Plutarco (Séc.II d.C.): “Ele vê a si mesmo como alguém que os deuses odeiam e perseguem com sua raiva. Um mal muito pior o aguarda; ele não ousa tentar evitar ou remediar tal mal, por medo de encontrar-se lutando contra os deuses. O médico e o amigo consolador são afastados. “Deixe-me”, diz o infeliz, “eu, o ímpio, o amaldiçoado, odiado pelos deuses, sofrer meu castigo”. Senta-se ao relento, enrolado em aniagem ou em trapos imundos. Vez ou outra rola nu sobre a sujeira, confessando sobre um ou outro pecado. Elecomeu ou bebeu algo errado. Fez alguma coisa ou outra que o Ser Divino não aprovou. Os festejos em homenagem aos deuses não lhe trazer prazer e sim enchem-no de medo e pavor.”
Mas esse não é um texto sobre a história do conceito de depressão. Futuramente talvez venha a escrevê-lo, mas o objetivo desse momento é entender o que é depressão e como ela é tratada. Por hora, note que o texto de Plutarco guarda semelhança com a introdução desse texto, ressalvadas as devidas nuanças culturais e o fato do entendimento do mundo romano ser muito centrado nos deuses.
Talvez valha a pena iniciar com a diferenciação entre tristeza e depressão, afinal, para entendermos o que uma coisa é, talvez valha a pena primeiro entender o que não é. É normal estar triste por alguns dias após perder um animal de estimação, um emprego, uma pessoa querida, mas a perpetuação desse estado não o é. Também não é normal que o estado de tristeza, desânimo, perda de interesse por tudo e todos se mantenha por mais do que alguns dias em face de qualquer dificuldade, ou que ele surja sozinho.
Não se trata de uma tristeza passageira, mas de um estado patológico que costuma incluir humor depressivo, perda de interesse por coisas de que costumava gostar na maior parte do dia, em todos ou quase todos os dias, perda ou ganho de peso, insônia ou sonolência excessiva, , sensação de perda ou culpa em quase todos os dias, pensamentos relacionados a morte de forma recorrente, tudo isso causando um prejuízo nas funções de interação social, trabalho ou outras áreas importantes da vida do indivíduo.
Assim, o diagnóstico de depressão é feito pelos seus sintomas, de tristeza, perda de prazer nas coisas do dia-a-dia, sensação de desânimo e perda de energia, mudanças de apetite e sono, agitação ou letargia/lentificação, dificuldade para pensar e se concentrar, e pensamentos relacionados a morte. A presença de vários dentre esses sintomas por mais de 2 semanas definem a depressão. Não existem exames que definam a depressão, mas muitas vezes são pedidos alguns exames, a depender dos sintomas, porque existem outras doenças e problemas físicos que podem causar depressão.
Uma vez diagnosticada, com o diagnóstico correto de gravidade e tipo de transtorno depressivo, existem uma série de tratamentos possíveis para a depressão. Em termos de tratamento farmacológico, as medicações mais comumente usadas são os antidepressivos. Essas medicações em geral tem um tempo inicial para redução de sintomas depressivos em torno de 10 a 15 dias, se dividem em várias classes, de acordo com a sua natureza química, os neurotransmissores afetados e a forma como eles são afetados, bem como possíveis efeitos colaterais e outras aplicações dos medicamentos.
Os tratamentos psicoterápicos são muito variados, sendo que o que falarei um pouco mais é a terapia cognitivo-comportamental (TCC), uma vez que é o meu foco de trabalho, em psicoterapia, e é um formato de terapia com evidências científicas de eficácia. Na TCC, um dos focos para o tratamento da depressão é a reestruturação cognitiva, ou seja, a mudança na forma de pensar e de entender as coisas, que no paciente deprimido é enviesada, cheia de erros cognitivos que acabam reforçando sua forma de pensar e a piora do seu estado emocional. Além da reestruturação cognitiva, a TCC lança mão de técnicas comportamentais, como a ativação comportamental, com uma maior organização do dia-a-dia e a ajuda ao paciente para que ele consiga fazer suas atividades, ter um rendimento melhor e ter mais prazer e bem-estar no seu dia-a-dia.